sexta-feira, 23 de abril de 2010

maus Tratos - 1

Larissa Serpa mandou
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Maus Tratos - 1

Alysson Mattje mandou:

APELAÇÃO CRIME. artigo 32, § 2º, da Lei 9.605/98. MAUS TRATOS A ANIMAIS.

Inobstante a negativa do acusado, há prova suficiente confirmando a prática do delito pelo acusado, impondo-se a confirmação da sentença condenatória.

Pena readequada de ofício.

Apelação improvida, COM READEQUAÇÃO DA PENA DE OFÍCIO.
Recurso Crime Turma Recursal Criminal
Nº 71002014553 Comarca de São Marcos
ANTONIO SERGIO DA COSTA RECORRENTE
MINISTERIO PUBLICO RECORRIDO
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Juízes de Direito integrantes da Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em negar provimento à apelação, de ofício readequando a pena.

Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores Dr.ª Laís Ethel Corrêa Pias e Dr. Volcir Antonio Casal.

Porto Alegre, 23 de março de 2009.



DR.ª ÂNGELA MARIA SILVEIRA,

Juíza de Direito,

Relatora.

RELATÓRIO

Antonio Sérgio da Costa interpõe recurso de apelação (fls. 63 e 69/74), inconformado com a sentença (fls. 56/60) que julgou procedente a denúncia, condenando-o como incurso nas sanções do artigo 32, § 2º, da Lei 9.605/98 a pena de 08 (oito) meses de reclusão, em regime semi-aberto, e 15 (quinze) dias multa na razão de 1/30 do salário mínimo. A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade.

Sustenta o apelante não haver prova judicializada capaz de produzir um decreto condenatório seguro, pois o acusado negou veementemente a prática do fato e a testemunha Raquel Rosane afirma não ter visto Antonio matar o animal, havendo dúvidas, devendo ser aplicado o princípio in dúbio pro réu, requerendo a absolvição nos termos do artigo 386, inciso V ou VII, do Código de processo penal.

O fato aconteceu em 20 de novembro de 2007 (fl. 02).

Os benefícios da transação penal e da suspensão condicional do processo não foram ofertados em razão dos antecedentes do autor do fato (fls. 03 e 13/16).

Apresentada a defesa preliminar, a denúncia foi recebida em 13 de agosto de 2008 (fl. 30).

A sentença condenatória publicada em 16 de dezembro de 2008 (fl. 60v).

O réu foi intimado pessoalmente da sentença (fl. 62v).

O recurso foi contra-arrazoado (fls. 75/80).

O Ministério Público, nessa sede recursal, opina pelo improvimento do recurso (fls. 84/96).

VOTOS

Dr.ª Ângela Maria Silveira (PRESIDENTE E RELATORA)

O recurso comporta conhecimento, posto que presentes os requisitos de admissibilidade, como adequação e tempestividade.

O recorrente foi denunciado como artigo 32, § 2º, da Lei 9.605/98 porque:

No dia 20 de novembro de 2007, por volta das 19h30min, na Linha São Roque, neste Município, o denunciado, utilizando uma faca (não apreendida), praticou maus tratos e feriu animal doméstico (cão), causando-lhe a morte. Por ocasião do fato, o denunciado, por motivos não bem esclarecidos, atraiu o cão (sem proprietário identificado) até sua residência, onde imobilizou-o, prensando-o contra o chão com um dos pés sobre o pescoço, e desferiu-lhe vários golpes com o punhal mencionado, causando no animal ferimentos e a morte, conforme a fotografia da fl. 06 do termo circunstanciado.


O delito previsto no artigo 32, §2º, da Lei nº 9.605/98 assim está tipificado:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

§2.º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se ocorre morte do animal.

A existência do delito encontra respaldo no boletim de ocorrência (fls. 05/06), da fotografia juntada aos autos (fl. 09), além da prova oral produzida.

Analisando as provas obtidas na instrução criminal, verifico induvidosa a prática, pelo acusado, do delito previsto no artigo 32, §2º, da Lei 9.605/98.

O acusado, quando interrogado, nega a prática do delito, acrescentando que a sogra e a vizinha não gostam dele (fls. 42/45).

O Policial Militar Claudio Adriano Bonelli Olin informa que estava de serviço quando foi chamado, via rádio, para atender a ocorrência na propriedade da Sra. Raquel. Ao chegar ao local encontrou o cachorro morto em cima da parreira, com aproximadamente uns dez furos, não sabendo precisar se era de faca ou punhal (fls. 35/36).

A testemunha Raquel Rosane Silva da Silva (fls. 37/38) conta que estava na casa de uma vizinha pela manhã onde também estava a sogra do acusado, a qual lhe disse: “Raquel ontem de noite o meu genro pegou um cachorro na rua lá na frente do eu portão, um cachorrinho de rua e levou lá para casa e matou o cachorro a punhalada e atirou esse cachorro acho que caiu para o teu lado o teu lado ela disse, vai para casa e procura porque eu e meu marido acordamos cedo, viemos procurar esse cachorro e não achamos (...). Aí naquilo meu marido ligou e disse assim: vem aqui que tem um cachorro que ta pendurado aqui no parreiral. (...) chamei a polícia (...).

Emarina Terezinha da Silva Dias Rosa (fls. 39/40), ouvida como informante, em razão do parentesco com o réu, conta que viu o acusado matando o cachorrinho a uns dois passos longe da porta da minha garagem.

Inobstante a negativa do acusado, há prova suficiente confirmando a prática do delito pelo acusado, tendo uma das testemunhas presenciado o recorrente matar o cachorrinho e, embora sogra e vizinha não tenham um bom relacionamento com o acusado, como relatado por ambos, não é acreditável que tenham matado o cachorro para incriminá-lo, não tendo o acusado comprovado a inverdade das declarações das duas pessoas que afirmaram ter visto o réu sacrificar o animal, impondo-se a confirmação da sentença condenatória.

Merece reparo, contudo, a sentença, que condenou o réu a pena de oito meses de reclusão.

Primeiro, o delito em exame prevê pena de detenção.

Segundo, o magistrado após proceder ao exame das circunstâncias judiciais, fixou a pena-base em três meses de pena privativa de liberdade e, a seguir, reconhecendo a circunstância agravante da reincidência, aumentou-a pelo mesmo período da pena-base, ou seja, mais três meses, o que se afigura exacerbado, razão porque acresço à pena-base de três meses de detenção mais um mês em decorrência da circunstância agravante da reincidência, pois praticou o presente delito depois de definitivamente condenado pela prática de delito anterior, fixando-a provisoriamente em quatro meses de detenção.

Presente a causa de aumento de pena prevista no § 2º do artigo 32 da Lei nº 9.605/1998 (se ocorre a morte do animal), aumento a pena em 1/6, ou seja, 20 dias, tornando-se definitiva a pena em quatro meses e vinte dias de detenção.

Inobstante a reincidência, cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, observado o disposto no art. 44, § 3º, do Código Penal, o qual prevê que se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que em face da condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime. No caso, a substituição se apresenta socialmente recomendável e a reincidência não é específica.

Sendo a pena inferior a seis meses, incabível sua substituição por prestação de serviços à comunidade.

Sendo o juízo da execução o mais capacitado para a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, por ter maior conhecimento da infra-estrutura executiva, deve o mesmo promover a substituição, dentre as hipóteses do artigo 43, observado o disposto no artigo 46, ambos do Código Penal, o que atende aos princípios do Juizado Especial Criminal inserto no artigo 62 da Lei 9.099/95.

Assim, voto pelo improvimento da apelação, de ofício readequando a pena.



Dr.ª Laís Ethel Corrêa Pias (REVISORA) - De acordo.

Dr. Volcir Antonio Casal - De acordo.

DR.ª ÂNGELA MARIA SILVEIRA - Presidente - Recurso Crime nº 71002014553, Comarca de São Marcos: "À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO , DE OFÍCIO READEQUANDO A PENA."


Juízo de Origem: VARA SAO MARCOS - Comarca de São Marcos

quinta-feira, 8 de abril de 2010

mais 1

ALUNO: MATEUS ERDTMANN


PESQUISA JURISPRUDENCIAL


Dados do acórdão

Classe: Apelação Criminal

Processo: 2000.023932-1

Relator: Irineu João da Silva

Data: 25/06/2002
No caso em tela, foi oferecida denúncia contra o Delegado de Polícia, Antônio Rogério Ribeiro, pelos crimes de abuso de autoridade e tortura. Em resumo, o relatório narra que o denunciado entrou na casa da vítima Aurino Alves de Oliveira, no exercício de sua função, devido a um chamado para averiguar uma briga de casal, momento em que o Delegado apontou uma arma para a vítima, e a agrediu, levando-a em seguida para a delegacia de polícia, onde a amarrou e agrediu novamente de diversas maneiras, causando-lhe grave sofrimento físico e mental, sendo que a vítima ficou com diversas marcas e hematomas pelo corpo. Ainda na mesma noite, o mesmo denunciado praticou mais condutas criminosas contra outras pessoas, o adolescente Carlos Ribeiro e seus irmãos, que foram agredidos com o objetivo de entregarem uma arma que estava na casa deles.

No julgamento, no que tange ao primeiro caso, foi apreciado somente o crime de tortura, pois quanto ao crime de abuso de autoridade observou-se a prescrição do mesmo pelo decorrer do tempo, que excedeu o delimitado pela lei para o caso concreto, sendo o denunciado sentenciado à pena de 2 anos e 11 meses de reclusão. No segundo caso, afastou-se a possibilidade de condenação pelo crime de tortura, pois decidiu-se que o sofrimento causado pelas agressões não foi de tamanha grandeza para que se justificasse uma condenação por tal norma jurídica. Porém, apesar de não requisitada na inicial, foi imputado ao Delegado o crime de lesão corporal, visto a constatação de tal atitude típica no depoimento das vítimas, sendo o acusado condenado à pena de 6 meses por este último crime. Como o decurso do tempo era suficiente para determinar a prescrição deste último, a pena do acusado foi fixada em 2 anos e 11 meses de reclusão, mais a perda do cargo público exercido e a interdição para o exercício de cargo, função ou emprego público pelo dobro do prazo da pena aplicada, observados pela condenação no crime de tortura contra Aurino Alves de Oliveira.





ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO



Apelação criminal n. 00.023932-1, de Santa Cecília.

Relator: Des. Irineu João da Silva.

TORTURA (LEI N. 9.455/97) ¿ ABUSO DE AUTORIDADE (LEI N. 4898/65) ¿ LESÕES CORPORAIS (ART. 129, DO CP) ¿ DISTINÇÃO ¿ ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRO GRAU ¿ RECURSO DA ACUSAÇÃO ¿ PROVA ¿ PALAVRAS DO OFENDIDO ¿ TESTEMUNHAS ¿ ÁLIBI INSUBSISTENTE ¿ PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DAS PROVAS ¿ CONDENAÇÃO.

Não é toda a conduta que produz sofrimento psíquico ou físico que implica a configuração do crime previsto no art. 1o, da Lei n. 9.455/97, mas somente aquela que, diante das circunstâncias fáticas, amolde-se à idéia de intensidade inerente ao conceito comum de tortura.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal n. 00.023932-1, da comarca de Santa Cecília (Vara Única), em que são apelantes a Justiça Pública, por seu Promotor, e o Assistente do Ministério Público, sendo apelado Antônio Rogério Ribeiro.

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento parcial, para condenar Antônio Rogério Ribeiro ao cumprimento da pena de 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, mais a perda do cargo público exercido e a interdição para o exercício de cargo, função ou emprego público pelo dobro do prazo da pena aplicada.

Custas na forma da lei.

Na comarca de Santa Cecília, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Antônio Rogério Ribeiro, pela prática do crime previsto no art. 4º, alínea 'a', da Lei 4.898/65, em concurso material com os crimes descritos no art. 1º, inciso I; art. 1º, § 1º e art. 4º, incisos I e II, da Lei n. 9.455/97, em continuidade delitiva, com base nos fatos assim descritos na inicial:

¿No dia 07 de agosto de 1998, por volta das 23h, o denunciado, exercendo as atividades de Delegado de Polícia, invadiu a residência da vítima Aurino Alves de Oliveira, localizada na COHAB, neste Município, encostou uma arma no pescoço da vítima e mandou encostar na parede com os braços levantados, oportunidade em que a mesma foi revistada, nada sendo encontrado.

¿Ato contínuo, o denunciado ordenou a prisão da vítima, que foi conduzida na parte traseira do camburão.

¿Chegando ao destacamento da Polícia Militar, o denunciado empurrou a vítima Aurino com o cacetete, e desferiu vários chutes, puxou a vítima pelo pescoço e a levou até uma garagem.

¿Na seqüência de seu intento criminoso, o denunciado encostou Aurino em um carro, e desferiu por todo o corpo da vítima vários golpes com um cacetete, até a vítima não mais conseguir ficar de pé.

¿Não satisfeito com a tortura perpetrada, o denunciado algemou a vítima Aurino e a pendurou, continuando a desferir vários golpes de cacetete nas costas e nádegas, causando-lhe intenso sofrimento físico, conforme descreve o auto de exame de corpo de delito de fl. 11, e fotografias de fls. 20.

¿Na continuidade, o denunciado disse à vítima para pedir desculpas aos policiais, pelo fato de a mesma ter importunado e a mandou embora.

¿No dia seguinte, 08 de agosto de 1998, por volta das 00h e 15 mi¿No dia seguinte, 08 de agosto de 1998, por volta das 00h e 15 min, no Salão do Nelson, localizado nesta cidade, o denunciado, utilizando-se de ameaças realizadas com um cacetete, apertou a garganta do adolescente Carlos Ribeiro, constrangendo-o, com violência e graves ameaças, a fim de obter informação acerca da propriedade de uma arma, momento em que o adolescente disse que o proprietário era o vereador Marcos Franzon.

¿Na seqüência, após passar pela residência do vereador Marcos, o denunciado, juntamente com a vítima Carlos dirigiu-se à residência dos irmãos do adolescente.

¿Lá chegando, o denunciado encostou uma arma na cabeça do adolescente e ordenou que fosse entregue um revólver e que os irmãos do adolescente nada fizessem, senão estouraria os miolos do menor, constrangendo, destarte, os irmãos do adolescente, com emprego de grave ameaça, a informar o local em que estava uma arma de fogo.

¿Nesta ocasião, o denunciado desferiu vários socos e pontapés nos que na residência se encontravam, as vítimas Aloir Ribeiro, Adenir Ribeiro e Francisco de Assis Pires, momento em que o denunciado encontrou a arma e os prendeu em flagrante delito¿ (fls. 3/5).

Finda a instrução, o Dr. Juiz de Direito proferiu sentença, absolvendo o réu da imputação que lhe foi feita, com fundamento no art. 386, VI, do Código de Processo Penal.

Inconformados com o decreto absolutório, interpuseram recurso de apelação o órgão ministerial e o assistente de acusação, postulando a sua reforma, a fim de ver o réu condenado nos termos da inicial, ao argumento de que há nos autos provas suficientes à condenação. Suscita, ainda, o assistente da acusação, em preliminar, a suspeição do juiz prolator, em face da amizade que possui com o réu.

Com as contra-razões, ascenderam os autos a esta Corte.

Instada a manifestar-se, fê-lo a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Valdir Vieira, pelo provimento parcial do apelo, para condenar o apelado nas sanções do art. 4º, alínea 'a', da Lei n. 4.898/65 em concurso material com o art. 1º, §§ 1º e 4º, inciso I, da Lei 9.455/97.

Nesta instância, o Ex.mo. Sr. Des. Torres Marques declarou-se suspeito (fls. 373), por motivos de foro íntimo, e o Ex.mo. Sr. Des. Sérgio Paladino, impedido (fls. 387).

É o relatório.

1. Aduz o assistente ministerial a suspeição do magistrado sentenciante, alegando que ele, titular da vara, teria se afastado do processo durante a instrução, ¿delegando-a¿ à juíza substituta e retornando, apenas, para absolver o agente, ora apelado. Todavia, não há, nos autos, nenhum indicativo da veracidade dessa afirmativa. Além disso, não só o magistrado recebeu a denúncia, como também procedeu ao interrogatório do réu e tomou diversas outras medidas durante todo o processo, fatos que não são compatíveis com a alegada ¿suspeição informal¿ do magistrado.

Ademais, não bastassem a ausência de provas do alegado e a total inadequação da via eleita pelo apelante, é de se registrar que eventual respeito profissional ou amizade existente entre o magistrado e o delegado não implicam a intimidade necessária à configuração da causa de suspeição. CAdemais, não bastassem a ausência de provas do alegado e a total inadequação da via eleita pelo apelante, é de se registrar que eventual respeito profissional ou amizade existente entre o magistrado e o delegado não implicam a intimidade necessária à configuração da causa de suspeição. Como bem recorda Fernando Capez, ¿por amizade íntima deve ser entendida aquela que uma pessoa nutre por outra, como se fosse um parente próximo, tornando-o capaz de suportar toda a sorte de sacrifícios pelo outro. Somente este tipo de amizade pode ser classificada como causa de suspeição. No caso de relações de simples cortesia e apreço profissional por advogado, não autorizam presumir a quebra da imparcialidade que deve presidir os atos do magistrado¿ (Curso de Processo Penal, 6a ed. rev., SP: Saraiva, 2001, p. 318).

2. Registre-se, ainda preliminarmente, que o exame do mérito em relação ao crime de abuso de autoridade (art. 4o, ¿a¿, da Lei n. 4898/1965) está prejudicado, dada a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, em sua forma retroativa. É que, inocorrendo marco interruptivo em face da sentença absolutória, do recebimento da denúncia (19.07.1999, fls. 177) até a presente data, já decorreram mais de 02 (dois) anos, lapso temporal fixado como limite para a apuração da responsabilidade criminal do agente, nos exatos termos do art. 109, VI, do CP, visto que a pena máxima cominada é de apenas 06 (seis) meses.

Portanto, no caso em tela, o exame dos fatos será realizado apenas com o fim de se apurar a existência, ou não, do imputado crime de tortura, que, diante do texto constitucional, é imprescritível.

3. Ultrapassadas as questões prévias, verifica-se que, no mérito, razão parcial cabe aos apelantes.

Senão, vejamos.

Os autos indicam que, em 07.08.1998, por volta das 23h00minn, o apelado, no exercício de suas funções de Delegado de Polícia, a pretexto de cumprir investigação sobre alegada briga de casais, ingressou na residência de Aurino Alves de Oliveira, e, encostando uma arma no pescoço da vítima, realizou busca pessoal, não logrando encontrar nenhum objeto ilícito. Ato contínuo, o apelado deu voz de prisão à vítima, levando-a até o destacamento da Polícia Militar, onde, mediante empurrões e agressões com cacetete, levou-a à garagem, para, em seguida, desferir, por todo o corpo do preso, vários golpes com um cacetete, até que este não mais conseguisse ficar de pé. Neste instante, na seqüência de seu mister criminoso, ele algemou Aurino e o pendurou, continuando a desferir vários golpes de cacetete nas costas e nádegas deste, causando-lhe intenso sofrimento físico e psíquico. Finda a sessão de agressões, o denunciado ordenou que a vítima saísse do local, pedisse desculpas aos outros policiais, que estavam dentro do destacamento, e retornasse à sua casa.

Embora denunciados outros fatos conjuntamente a estes, a análise deve ser feita em separado, diante de sua dessemelhança típica, até porque foram processados conjuntamente apenas em razão da conexão probatória.

No tocante à conduta realizada contra a Aurino Alves de Oliveira, o apelado, interrogado na fase policial, disse, em síntese, que estava sofrendo uma perseguição política, afirmando que, em relação a Aurino, apenas foi até a residência dele para apurar um chamado relativo a uma briga doméstica e que o alegado ferimento decorreu de um ¿tombo¿ quNo tocante à conduta realizada contra a Aurino Alves de Oliveira, o apelado, interrogado na fase policial, disse, em síntese, que estava sofrendo uma perseguição política, afirmando que, em relação a Aurino, apenas foi até a residência dele para apurar um chamado relativo a uma briga doméstica e que o alegado ferimento decorreu de um ¿tombo¿ que a vítima sofreu ao sair de casa; assinalou, inclusive, que tentou segurá-lo para que não caísse, acabando por rasgar a camisa do pretenso ofendido (fls. 74/84). Em juízo, manteve a sua versão (fls. 181/182).

Sustentando a sua versão, os policiais militares Walter Dolberth da Silva (fls. 53/54 e 248/249), Antônio Carlos de Oliveira (fls. 55/56 e 257/258), Paulo Roberto Popeng (fls. 57/59 e 259/260), Célio dos Santos (fls. 60/62 e 250/251), Nilson Carlos Teles de Souza (fls. 63/64 e 255/256) e Sebastião Corrêa de Oliveira (fls. 69/70) disseram, tanto na etapa inquisitiva quanto em juízo, - o último somente no inquérito - que, no dia dos fatos, estavam na cozinha do destacamento da polícia militar e nada viram de anormal. Além disso, os quatro primeiros afirmaram que, junto com o acusado, foram até a residência da vítima Aurino para atender um chamado, que dava conta de briga dele com sua mulher, inclusive com ameaça de morte; negaram, contudo, que tenha havido agressão contra a pessoa detida.

Sabe-se que, em regra, as palavras dos policiais têm presunção de veracidade; porém, no caso em tela, há certas circunstâncias que lhes retiram o valor. Com efeito, não bastasse o fato de todos os testemunhos serem idênticos, há dois fatos nos autos que apontam para a existência de um ¿espírito corporativo¿, que, por certo, induziu aos depoentes a darem determinado padrão de resposta.

O primeiro fato peculiar consiste na condução do inquérito policial, que, dadas a parcialidade e a forma distinta de realização, levaram, inclusive, à Corregedoria-Geral da Polícia Civil a concluir, em processo administrativo concernente aos fatos, que ¿a autoridade processante do Inquérito Policial não se houve corretamente quanto à técnica na apuração dos fatos (..) conduzindo de maneira parcial, em tese, a apuração da responsabilidade (..) assim, através do diretor da DPI, proceda-se advertência¿ (fls. 202).

O segundo decorre da bem lançada observação indicada pela magistrada que presidiu a instrução do processo, que, em termo de assentada da audiência de oitiva das testemunhas policiais, deixou consignado que ¿a testemunha Nilson Carlos Teles de Souza disse, inicialmente, em seu depoimento, que a vítima Aurino reclamara que havia sido espancada, negando ter dito tal fato após a chegada do réu na sala, que se atrasara¿ (fls. 254); fato que indica, claramente, a mudança no depoimento da testemunha em razão da presença física do acusado.

De outra parte, sustentando a versão acusatória, tem-se, nos autos, não apenas as palavras do ofendido, que admitiu a briga com sua esposa, mas também, e principalmente, os depoimentos de diversas testemunhas que, narrando fatos circunstanciais, indicam, em seu conjunto, a veracidade da narrativa daquele.

Assim é que Elizete Novaes dos Santos, vizinha de Aurino, afirmou, na fase policial e em juízo, que, de sua casa, presenciou toda a operação policial, mas que a vítima não teria levado nenhum tombo (como alega o apelado) e que, na manhã seguinte, esta apresentava diversos ferimentos pelo corpo e passou o dAssim é que Elizete Novaes dos Santos, vizinha de Aurino, afirmou, na fase policial e em juízo, que, de sua casa, presenciou toda a operação policial, mas que a vítima não teria levado nenhum tombo (como alega o apelado) e que, na manhã seguinte, esta apresentava diversos ferimentos pelo corpo e passou o dia gemendo (fls. 121/122 e 210). Aliás, os policiais Walter Dolberth da Silva e Célio dos Santos também disseram que não viram o alegado tombo, o que reforça a tese acusatória e retira valor da versão apresentada pelo acusado, ora apelado.

Ainda em relação aos ferimentos causados à vítima, há, nos autos, exame pericial (fls. 19) e fotografias (fls. 28) certificando que Aurino Alves de Oliveira foi, realmente, agredido. Juntem-se, ainda, os depoimentos de Cínthia de Los Santos (fls. 264) e Plínio César Moreira (fls. 265), respectivamente juíza e promotor da comarca de Curitibanos, procurados em razão da ausência momentânea de autoridades similares na cidade dos fatos, que viram, no dia seguinte ao ocorrido, os ferimentos causados à vítima, tendo, inclusive, a magistrada dito que ¿o cidadão mostrou vários hematomas que apresentava na região glútea e nas coxas¿ e ¿foi aconselhado ao cidadão que fizesse exames médicos para constatar os hematomas¿.

Acresce-se o depoimento de Pedro Paulo Goetten, que, no dia dos fatos, estava passando, a pé, em frente ao destacamento policial, quando escutou batidas e gemidos vindos da garagem daquele local (onde estavam o acusado e a vítima), tendo, inclusive, visto, na ocasião, o Delegado de Polícia (fls. 211). O testemunho de Waldevino Santos Rodrigues, embora tomado somente na fase policial, indica que, também passando pelo local, percebeu a movimentação na garagem do destacamento policial e ¿notou que, no último palanque do destacamento, parecia estar um elemento amarrado e que os policiais andavam de um lado para outro com um comportamento estranho, causando-lhe a impressão de que estavam aplicando um castigo¿ (fls. 123).

Ora, todo esse conjunto de provas indica que, ao contrário do alegado pela defesa, houve, sim, a prática da sessão de tortura a que foi submetido Aurino Alves de Oliveira, incidindo, assim, o tipo penal previsto no art. 1o, §1o, da Lei n. 9.455/97, in verbis: ¿Art. 1º. Constitui crime de tortura: (..) quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal¿.

Registre-se que se dá definição jurídica diversa da classificada pela acusação (art. 383, do CPP), em face da ausência do especial ¿fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa¿ (art. 1o, I, ¿a¿, da Lei n. 9455/97), porquanto, no caso, não havia essa intenção do agente, mas, pelo que evidenciam os autos, somente o de causar o agudo sofrimento físico e moral da vítima.

Além disso, dado que o fato ocorreu em razão do ofício do agente, embora exorbitando (e muito) suas atribuições legais, tem-se presente a causa especial de aumento contida no inc. I do §4o do art. 1o da referida lei, nesses termos vertido ¿Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: se o crime é cometido por agente público¿.

Como se vê, ainda que a defesa tenha trazido um número grande de testemunhas em favor do apelado, os elementos de convicção coletados levam à certeza necessária à coComo se vê, ainda que a defesa tenha trazido um número grande de testemunhas em favor do apelado, os elementos de convicção coletados levam à certeza necessária à condenação, até porque, no sistema processual penal brasileiro, as provas trazidas aos autos têm o mesmo valor, sendo lícito ao Magistrado, quando da prolação da sentença, adotar uma ou outra versão, desde que devidamente comprovadas e fundamentadas.

Discorrendo sobre o sistema de valoração da prova adotado por nosso Código de Processo Penal (persuasão racional) preleciona VICENTE GRECO FILHO:

¿Esse sistema, em primeiro lugar, dá a lei liberdade de apreciação, ou seja, as provas não têm valor predeterminado nem peso legal. Cada circunstância de fato será apreciada no contexto das demais provas e pode valer mais ou menos segundo o entendimento não preordenado do Juiz. Em segundo lugar, porém, limita a lei esse convencimento e a apreciação aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, segundo o princípio id quod non est in acits nom est in mundus (o que não está nos autos não existe). Consagra-se, aí, o princípio da verdade formal, ou seja, o juiz decidirá segundo a verdade dos autos e não segundo a verdade da natureza (verdade real)¿ (Manual de Processo Penal, SP: Saraiva, 1995, p. 190).

No mesmo sentido, a lição de JULIO FABBRINI MIRABETE:

¿Adotou a lei o princípio do livre convencimento (ou livre convicção, ou da verdade real), segundo o qual o juiz forma sua convicção pela livre apreciação da prova, não ficando adstrito a critérios valorativos e apriorísticos e é livre em sua escolha, aceitação e valoração. `Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente maior prestígio que outra. Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material. O juiz criminal é, assim, restituído à sua própria consciência¿ (Exposição de Motivos, item VII).¿ (Código Processo Penal Interpretado, 7ª ed., SP: Atlas, 2000, p. 414).

4. Em relação aos fatos ocorridos quando da ¿batida¿ realizada em vários estabelecimentos comerciais, tem-se que restaram comprovadas as agressões contra Carlos Ribeiro, Marcos Franzon, Aloir Ribeiro e Adelir Ribeiro.

Os autos indicam que, no dia seguinte ao da sessão de tortura impingida a Aurino ¿ mas ainda na mesma noite ¿, por volta de 00h15 min, no Salão do Nelson, durante a realização de uma ¿batida¿ em vários estabelecimentos comerciais, o apelado, após constatar que o adolescente Carlos Ribeiro portava duas cápsulas de pistola, deflagradas, utilizando-se de ameaças realizadas com um cacetete, apertou a garganta do investigado, a fim de obter informação acerca da propriedade da arma. Sob a influência dessa agressão, o menor disse, falsamente, que o proprietário era o vereador Marcos Franzon. Ao tomar conhecimento dessa informação, o denunciado, juntamente com a vítima Carlos, foi até a residência de Marcos Franzon, quando, então, foi revelado, pelo adolescente, a identidade do real proprietário, seu irmão. Na seqüência, rumaram para a residência dos irmãos do adolescente, local em que o agente, a título de obter a arma cOs autos indicam que, no dia seguinte ao da sessão de tortura impingida a Aurino ¿ mas ainda na mesma noite ¿, por volta de 00h15 min, no Salão do Nelson, durante a realização de uma ¿batida¿ em vários estabelecimentos comerciais, o apelado, após constatar que o adolescente Carlos Ribeiro portava duas cápsulas de pistola, deflagradas, utilizando-se de ameaças realizadas com um cacetete, apertou a garganta do investigado, a fim de obter informação acerca da propriedade da arma. Sob a influência dessa agressão, o menor disse, falsamente, que o proprietário era o vereador Marcos Franzon. Ao tomar conhecimento dessa informação, o denunciado, juntamente com a vítima Carlos, foi até a residência de Marcos Franzon, quando, então, foi revelado, pelo adolescente, a identidade do real proprietário, seu irmão. Na seqüência, rumaram para a residência dos irmãos do adolescente, local em que o agente, a título de obter a arma cuja posse é vedada, ameaçou as vítimas, encostando a sua pistola na cabeça do adolescente, afirmando que estouraria os miolos do menor, se não lhe fosse informado o local em que estava uma arma de fogo. Além dessa grave ameaça, o apelado desferiu vários socos e pontapés nas vítimas, até que encontrasse a arma e realizasse a prisão em flagrante delito.

O vereador Marcos Antônio Frazon deixou claro, em seu depoimento, tanto na fase policial quanto na judicial, que, procurado em sua casa pelo apelado, que se fazia acompanhado do menor Carlos Ribeiro, presenciou as ameaças proferidas pelo Delegado, que, para isso, se utilizou de sua arma e de agressões, tais como socos e pontapés (fls. 236).

As vítimas também foram ouvidas e confirmaram o que diziam desde o início das investigações, ou seja, que foram, sim, submetidas a ameaças e agressões, realizadas com o intuito de obter a informação acerca da localização da arma de que foram produzidas as cápsulas deflagradas, encontradas com o menor.

A negativa do acusado, pelos motivos já expostos, é, também, insubsistente, não merecendo crédito.

Todavia, não se vislumbra, na espécie, que os fatos configurem o crime de tortura, já que, embora agredidas, as vítimas não foram submetidas a intenso sofrimento físico e moral e nem que este fosse o objetivo do apelado.

Neste passo, embora tratem da distinção entre os crimes de tortura e o de maus-tratos, é oportuno colacionar os entendimentos doutrinário e jurisprudencial.

ANA PAULA NOGUEIRA FRANCO, sobre a matéria, ensinou que ¿ao analisar as ações nucleares dos tipos começam a surgir as diferenciações. No delito de maus tratos a ação é a exposição ao perigo através das modalidades: a) privando de cuidados necessários ou alimentos; b) sujeitando a trabalho excessivo; c) abusando de meio corretivo. Já no art. 1º, II, da Lei n. 9.455/97, a ação se resume em submeter alguém (sob sua autoridade, guarda ou vigilância) a intenso sofrimento físico ou mental com emprego de violência ou grave ameaça. Nota-se que o elemento subjetivo do tipo do art. 136 é o dolo de perigo, o resultado se dá com a exposição do sujeito passivo ao perigo de dano. No crime de tortura, o resultado se dá com o efetivo dano, ou seja, o intenso sofrimento físico ou mental provocado pela violência ou grave ameaça. Nesta última situação o agente age com dolo de dano. Outra questão importante de se ressaltar, é que no crime de maus-tratos o agente abusa de seu ius corrigendi para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia. Diferentemente no crime de tortura, no qual o agente pratica a conduta como forma de castigo pessoal ou medida de caráter preventivo" (Distinção entre Maus-Tratos e Tortura e o art. 1º, da Lei de Tortura, in Boletim do IBCrim, n. 62/Jan-98, p. 11).

Neste sentido também é o entendimento da jurisprudência:

¿A questão dos maus-tratos e da tortura deve ser resolvida perquirindo-se o elemento volitivo. Se o que motivou o agente foi o desejo de corrigir, embora o meio empregado tenha sido desumano e cruel, o crime é de maus tratos. ¿A questão dos maus-tratos e da tortura deve ser resolvida perquirindo-se o elemento volitivo. Se o que motivou o agente foi o desejo de corrigir, embora o meio empregado tenha sido desumano e cruel, o crime é de maus tratos. Se a conduta não tem outro móvel senão o de fazer sofrer, por prazer, ódio ou qualquer outro sentimento vil, então pode ela ser considerada tortura¿ (RJTJSP, 148/280).

No caso em tela, conquanto violenta e danosa a conduta realizada, ela não chega a configurar o intenso sofrimento psíquico ou físico necessário à configuração do crime de tortura. Ora, sendo um crime doloso, o delito de tortura, previsto no art. 1o, da Lei n. 9455/97, exige, necessariamente, não apenas a ciência do agente de que sua conduta impõe um elevado sofrimento à vítima (elemento cognitivo), mas também a vontade de produzir esta dor, moral e física (elemento volitivo). Em relação a este fato, não há indicativos de que fosse essa a intenção do agente e nem de que sua atitude tenha produzido a dor moral característica daquilo que se entende como tortura.

Não é demais lembrar que, em tese, todas as condutas típicas produzem, em maior ou menor grau, certa dor psíquica à vítima; porém, isso não implica que, associada a qualquer prática delitiva, haja, também, a realização da tortura.

Como bem salientado pela doutrina:

"Não obstante procure atingir um número limitado de situações, o processo de tipificação mostra-se defeituoso diante da impossibilidade de reduzir a infinita gama de atos humanos em fórmulas estanques. Por tal motivo, o processo legislativo de tipificação é realizado de forma abstrata, alcançando também o que Engish chama de casos anormais. A imperfeição do trabalho legislativo faz com que possam ser consideradas formalmente típicas condutas que, na verdade, deveriam estar excluídas do âmbito de proibição estabelecido pelo tipo penal" (Maurício Antônio Ribeiro Lopes, O Princípio da Insignificância no Direito Penal, SP: RT, 1997, p.62)

Assim, não é toda a conduta que produz sofrimento psíquico ou físico que implica a configuração do crime previsto no art. 1o, da citada lei, mas somente aquele que, diante das circunstâncias fáticas, amolde-se à idéia de intensidade inerente ao conceito comum de tortura.

Embora reprovável a conduta do agente, as provas não indicam que ele quisesse impor sofrimento intenso às vítimas, mas apenas que houve um claro excesso ¿ ainda que grave ¿ no seu proceder, o que poderia, se não ocorrida a prescrição da pretensão punitiva, configurar o abuso de autoridade, consubstanciado na incidência da alínea ¿i¿ do art. 3o da Lei n. 4898/65, vale dizer, ¿atentado à incolumidade física do indivíduo¿, cumulado com o crime de lesões corporais leves, previsto no art. 129, do CP.

Vale destacar que, não obstante exista divergência jurisprudencial sobre o tema, é de se adotar a corrente para qual ¿o crime de abuso de autoridade não pode ser absorvido pelo de lesões corporais, pois a Lei 4898/65 tem por objetivo resguardar os direitos constitucionais integrantes da cidadania, de eventuais abusos por parte de qualquer pessoa que exerça autoridade pública, finalidade esta diversa da do art. 129 do CP¿ (TACRIMSP ¿ ACr 820.097 ¿ 1ª C. ¿ Rel. Juiz Eduardo Goulart ¿ J. 05.05.1994).

Logo, embora afastada a possibilidade de aplicação da LeiLogo, embora afastada a possibilidade de aplicação da Lei n. 4898/65, os fatos praticados pelo apelado configuram, sim, o crime de lesões corporais (art. 129, ¿caput¿, do CP), que, embora não indicada na inicial, subsume-se aos fatos narrados na denúncia. Registre-se, por oportuno, que, desclassificada a conduta para o crime previsto no Código Penal, pode ser aproveitada, para os fins do art. 88, da Lei n. 9099/95, a representação oferecida pelas vítimas, embora esta visasse o crime da lei especial.

Neste entendimento, vide Ap. crim. n. 99.001134-8, de Turvo, rel. Des. Maurílio Moreira Leite, j. 14.03.2001, cuja fundamentação deixou consignado que ¿, tratando-se de lesão corporal de natureza leve, indispensável a representação da vítima, nos termos do artigo 88, da Lei n. 9.099/95, a qual se encontra nos autos, emergente dos depoimentos que prestou, contundentes e incisivos, em clara demonstração de pretender a persecução penal. E, como é sabido, à representação não é exigida forma sacramental.¿.

Na espécie, as agressões foram direcionadas às vítimas Carlos Ribeiro, Aloir Ribeiro, Adenir Ribeiro e Francisco de Assis Pires, o que implica, necessariamente, a existência de concurso de crimes, na modalidade prevista no art. 71, do CP, já que ocorreram nas mesmas circunstâncias fática, espacial e temporal, em clara continuidade delitiva.

5. Por tudo isso, diante dos fatos cometidos, o apelo deve ser provido para condenar Antônio Rogério Ribeiro por infração ao disposto no art. 1o, §1o, da Lei n. 9455/97, c/c art. 1o, §4o, ¿I¿, do mesmo diploma legal, e art. 129, quatro vezes, na forma do art. 71, ambos do CP.

Quanto ao primeiro delito, atento às condições do art. 59, do CP, verifica-se que o apelado é pessoa mentalmente sã, consciente da reprovabilidade social de sua conduta, agindo com culpabilidade intensa, em face do cargo ocupado, do qual decorre a maior consciência da ilicitude do fato; não apresenta antecedentes; os motivos, embora reprováveis, são os do tipo penal; não apresenta desvios em sua conduta social e personalidade; as circunstâncias e as conseqüências são normais à espécie; e o comportamento da vítima em nada contribuiu para a conduta. Assim, fixa-se a pena-base da privativa de liberdade pouco acima do mínimo legal, em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

Não existem agravantes ou atenuantes a incidir na segunda etapa da dosimetria.

Em razão da incidência do §4o do art. 1o da Lei n. 9.455/97, aumenta-se a pena-base em um sexto, ou seja, 05 (cinco) meses ¿ exasperação mínima, porque a motivação já foi levada em conta na culpabilidade intensa (art. 59, do CP) ¿ , resultando, assim, 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, tornada definitiva diante da ausência de outras causas de especial aumento ou redução.

A pena deverá ser cumprida em regime inicial fechado (art. 1o, §7o, da Lei n. 9.455/97).

O condenado não faz jus ao benefício previsto no art. 44, do CP, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 9.714/98, em face da violência utilizada.

Por força do §5Por força do §5o do art. 1o da Lei n. 9755/97, decreta-se a perda do cargo do apelado e a interdição para o exercício de cargo, função ou emprego público pelo dobro do prazo da pena aplicada.

6. Em relação aos crimes previstos no art. 129, ¿caput¿, do CP, tendo em vista a identidade de prática das infrações, aplica-se a pena de forma igual em relação a cada um dos delitos praticados.

Por isso, em relação às condições do art. 59, do CP, verifica-se que o apelado é pessoa mentalmente sã, consciente da reprovabilidade social de sua conduta, agindo com culpabilidade intensa; não apresenta antecedentes; os motivos, reprováveis, militam em desfavor do agente, que não apresenta desvios em sua conduta social e personalidade; as circunstâncias e as conseqüências são normais à espécie; e o comportamento da vítima em nada contribuiu para a conduta. Assim, fixa-se a pena-base da privativa de liberdade pouco acima do mínimo legal, em 05 (cinco) meses de detenção.

Na segunda etapa da dosimetria, constata-se que o agente praticou o crime durante o exercício de sua função, configurando-se, assim, a agravante contida na alínea ¿g¿ do inc. II do art. 61 do CP, razão pela qual aumenta-se a pena em 01 (um) mês, tornada definitiva face a ausência de atenuantes e de causas de especial aumento ou redução.

Consideradas, isoladamente, as penas fixadas em concreto (art. 119, do CP), resta consubstanciada a prescrição da pretensão punitiva, em sua forma retroativa, porquanto do recebimento da denúncia (19.07.1999, fls. 177) até a presente data, já decorreram mais de 02 (dois) anos, lapso temporal fixado como limite para a apuração da responsabilidade criminal do agente, nos exatos termos do art. 109, VI, do CP.

7. Diante do exposto, conhece-se do recurso e dá-se-lhe provimento parcial, para condenar Antônio Rogério Ribeiro ao cumprimento da pena de 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, mais a perda do cargo público exercido e a interdição para o exercício de cargo, função ou emprego público pelo dobro do prazo da pena aplicada.

Participou do julgamento, com voto vencedor, o Ex.mo. Sr. Des. Sérgio Baasch Luz, e lavrou parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Ex.mo. Sr. Luiz Fernando Sirydakis.

Florianópolis, 25 de junho de 2002.
Maurílio Moreira Leite
PRESIDENTE C/ VOTO
Irineu João da Silva
RELATOR

mais 1

Aluno: José Guilherme Surdi

Apelação Criminal n. 2009.055269-2, de Campos Novos

Relator: Des. Irineu João da Silva


ABUSO DE AUTORIDADE (ART. 3º, "I", DA LEI N. 4.898/65) E DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA (ART. 339 DO CÓDIGO PENAL). PRELIMINAR. AFASTAMENTO DA COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. ILÍCITOS EM CONCURSO MATERIAL QUE, SOMADOS, ULTRAPASSAM O LAPSO TEMPORAL PREVISTO NO ART. 61 DA LEI N. 9.099/95. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MÉRITO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PALAVRA DO OFENDIDO CONVERGENTE COM A PROVA TESTEMUNHAL, BEM COMO COM AS CONCLUSÕES DOS EXAMES PERICIAIS. POLICIAIS MILITARES QUE, DOLOSAMENTE, AGRIDEM VÍTIMA ALGEMADA, CAUSANDO-LHE OFENSAS FÍSICAS PELO EMPREGO DE GOLPES DE CASSETETE E CORONHADAS NOS GENITAIS. ELEMENTARES DO ABUSO DE AUTORIDADE CARACTERIZADAS. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL. REGISTRO DE BOLETIM DE OCORRÊNCIA, CONFECÇÃO DE AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE E POSTERIOR INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PENAL POR CRIMES QUE OS RÉUS SABIAM SER A VÍTIMA INOCENTE. INFRAÇÃO PENAL DO ART. 339 DO CÓDIGO PENAL PATENTEADA. RECURSO NÃO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2009.055269-2, da comarca de Campos Novos (Vara Criminal), em que são apelantes Anderson Murilo Petrikoski e Cleiton José Vieceli, e apelada a Justiça Pública, por seu promotor:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO


O representante do Ministério Público oficiante na Vara Criminal da Comarca de Campos Novos ofereceu denúncia contra Anderson Murilo Petrikoski e Cleiton José Vieceli, como incursos nas sanções dos arts. 339, "caput", e 342, "caput", ambos do Código Penal, bem como do art. 4º, "a", da Lei n. 4.898/65, pelos seguintes fatos descritos na proemial acusatória (fls. I/III):


No dia 24 de outubro de 2006, por volta das 11h30min, na Rua Juvelino Fernandes, Bairro Aparecida, na Cidade de Campos Novos, os denunciados CLEITON JOSÉ VIECELI e ANDERSON MURILO PETRIKOSKI, Policiais Militares em atuação no Grupo de Resposta Tática, avistaram Nilson dos Santos Souza, de alcunha "Queixo", conduzindo o automóvel VW/Logus, placas LZL 9609.


Neste momento, sabendo que "Queixo" não possuía carteira de habilitação, os denunciados passaram a persegui-lo com a viatura policial, permanecendo o denunciado ANDERSON ao volante.


Em determinado momento da perseguição, quando conseguiu aproximar a viatura do policial do automóvel de "Queixo", que se recusava a atender a ordem de parada, o denunciado ANDERSON passou a bater seguidamente a viatura na traseira do carro perseguido, fazendo com que este perdesse o controle, acabando por colidir com o automóvel VW/Fusca, placas final 2423, que estava estacionado.


Ato contínuo, Nilson dos Santos Souza conseguiu se evadir novamente, rumando em direção à sua residência, onde abandonou o automóvel que guiava e entrou rapidamente no imóvel.


Neste momento, os denunciados ANDERSON e CLEITON, que continuavam em perseguição a "Queixo", invadiram a sua residência e passaram a espancá-lo violentamente, provocando-lhe as lesões corporais descritas no auto de exame de corpo de delito de fl. 21.


Depois de prenderem Nilson e de levarem-no até a Delegacia de Polícia, os denunciados registraram contra ele boletim de ocorrência, imputando-lhe falsamente a prática dos crimes de desacato, resistência e ameaça, que sabiam que ele não havia cometido, dando causa à instauração de inquérito policial e ação penal n. 014.06.005159-4.


Por fim, durante a instrução do processo criminal, os denunciados prestaram falso testemunho em Juízo, quando afirmaram que Nilson foi quem provocou a colisão contra o automóvel VW/Fusca e, depois, ao dar marcha-ré, bateu contra a viatura.


Concluída a instrução criminal, a denúncia foi julgada parcialmente procedente, para condenar os réus ao cumprimento da pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 1 (um) mês de detenção, em regime semi-aberto, e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, cada qual no valor de 1/15 (um quinze avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração ao art. 3º, "i", da Lei n. 4.898/65 e art. 339, "caput", do Código Penal, restando absolvidos do ilícito previsto no art. 342, "caput", do Estatuto Repressivo (fls. 264/293).


Inconformados com a prestação jurisdicional, os acusados apelaram, requerendo, em preliminar, a incompetência da Justiça Comum para processar e julgar o delito de abuso de autoridade, por ser de menor potencial ofensivo, e, no mérito, a absolvição, ao argumento de insuficiência de provas para condenação (fls. 299/306).


Com as contra-razões (fls. 307/319), nesta Instância, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Paulo Roberto Speck, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (fls. 337/352).

VOTO


Preliminarmente, não há falar em incompetência da justiça comum para processar e julgar a presente causa.


Isso porque, para a definição da competência, as penas máximas cominadas em abstrato aos crimes descritos na exordial acusatória, no caso de concurso material (art. 69, CP), devem ser somadas, e não consideradas singularmente.


Na hipótese, observa-se que, juntas, as sanções corporais dos crimes de abuso de autoridade (art. 3º, "i", da Lei n. 4.898/65) e de denunciação caluniosa (art. 339, CP) superam o lapso de 2 (dois) anos delimitado no art. 61 da Lei n. 9.099/95, razão porque fica afastada a competência do juizado especial criminal.


A Corte Suprema já se manifestou sobre o assunto:


"Habeas corpus". Incompetência do Juizado especial criminal. Havendo concurso de infrações penais, que isoladamente sejam consideradas de menor potencial ofensivo, deixam de sê-lo, levando-se em consideração, em abstrato, a soma das penas ou o acréscimo, em virtude desse concurso. "Habeas corpus" deferido, para declarar a incompetência do Juizado especial criminal, e determinar que os autos sejam encaminhados à Justiça Estadual comum (C 80.811/PR ¿ rel. Min. Moreira Alves ¿ j. 8.5.2001 ¿ DJ 8.5.2001).


Não destoa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:


É pacífica a jurisprudência desta Corte de que, no caso de concurso de crimes, a pena considerada para fins de fixação da competência do Juizado Especial Criminal será o resultado da soma, no caso de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das penas máximas cominadas aos delitos; destarte, se desse somatório resultar um apenamento superior a 02 (dois) anos, fica afastada a competência do Juizado Especial (C 101.274/PR ¿ rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho ¿ j. 16.2.2009 ¿ DJ 20.3.2009).


No mérito, os elementos probatórios amealhados no decurso da instrução processual convencem da responsabilidade criminal dos denunciados pela prática dos delitos de abuso de autoridade e denunciação caluniosa.


A materialidade está calcada nos boletins de ocorrência (fls. 4 v. e 17), no auto de prisão em flagrante (fls. 6/13), no termo de exibição e apreensão (fl. 16), na ficha de ocorrência da polícia militar (fls. 18/19 v.), auto de resistência à prisão (fl. 20), no exame de corpo de delito (fl. 21) e na cópia dos autos n. 014.06.005159-4 (fls. 49/99).


A autoria, embora negada pelos réus, vem confortada pelo relato da vítima e através dos depoimentos das testemunhas presenciais dos fatos.


A vítima Nilson dos Santos Souza, quando ouvida na ação penal n. 014.06.005159-4, asseverou que atravessava a via principal, momento em que os policiais lhe deram ordem de parada, e, diante da determinação, tentou estacionar atrás de um VW/Fusca, mas, como os policiais conduziam a viatura em alta velocidade, colidiram contra a traseira de seu automóvel, que, por força do impacto, atingiu o terceiro carro.


Apavorada, deixou o local, dirigindo-se rapidamente até sua residência, abandonou o VW/Logus e correu para o interior do imóvel, seguida pelos milicianos, que, para efetuarem a prisão, romperam a porta de acesso e lhe deram uma coronhada na cabeça.


Ficou desorientada com o golpe, oportunidade em que foi algemada e jogada no compartimento para condução de presos da viatura. Acrescentou que, posteriormente, foi agredida nas costas com golpes de cassetete, bem como recebeu chutes nas costelas.


Expôs que não se utilizou de faca contra a guarnição policial, sendo que viu a arma branca só na delegacia, ressaltando não ter presenciado os seus irmãos ameaçando ou agredindo os policiais.


Concluiu, alegando que, no dia dos fatos, um dos policiais militares mandou o interrogando fugir da cidade, caso contrário "iriam premiar o interrogando, ou iriam consumir o interrogando" (fls. 56/58).


Ouvida novamente, por carta precatória, nos autos n. 014.07.001166-8 (referente à apuração dos crimes em tela), confirmou que os fatos ocorreram exatamente como narrados na denúncia (fl. 145).


A testemunha ocular Anildo Geovani dos Santos, proprietário do VW/Fusca referido pela vítima, ouvido sob o crivo do contraditório, asseverou que, na ocasião dos fatos, estacionou seu automóvel na rua Capinzal, com o intuito de conversar com um amigo. Permaneceu no assento do motorista, enquanto seu colega se posicionou, em pé, ao lado do carro.


Em certo momento, seu amigo disse que ouvia um barulho de sirene, razão pela qual olhou para trás, visualizando um VW/Logus sendo perseguido por uma caminhonete preta da polícia.


A viatura batia seguidamente na traseira do automóvel perseguido, e o acusado Cleiton estava com metade do corpo para fora da janela, segurando uma espingarda nas mãos, avaliando ter escutado cerca de 8 a 10 tiros desferidos com a arma de fogo, todos direcionados contra o automóvel do ofendido.


Durante a perseguição, uma das batidas da viatura policial projetou o automóvel VW/Logus contra seu carro, e, como observou que a colisão era inevitável, preparou-se para o impacto.


Mencionou ter visto que "o veículo VW/Logus teria desviado facilmente de seu carro, se a viatura não tivesse jogado ele; não é verdade que o veículo VW/Logus tenha colidido com seu carro e provocado a batida na viatura".


Ocorrido o choque, o automóvel do ofendido deu marcha a ré e continuou fugindo, seguido, por sua vez, pela viatura militar. Não ouviu, a partir dali, outros disparos de arma de fogo.


Recuperado da tontura resultante da colisão, encaminhou-se à delegacia para registrar a ocorrência, ocasião em que reconheceu o veículo policial, e, nas dependências da repartição, viu Nilson dos Santos Souza algemado, seu rosto estava bastante machucado e sangrando, ele inclusive chorava.


Finalizou, dizendo que, "na DP, encontrou os réus; em dado instante, o denunciado Anderson lhe pediu o que tinha acontecido; disse ao réu que estava parado e tinham batido em seu carro, querendo saber quem iria pagar o prejuízo; Anderson lhe disse para 'deixar quieto', pois morava na cidade; interpretou as palavras de Anderson como ameaça, intimidação, e, por isso, não quer contato com os réus" (fl. 173).


A genitora do ofendido, Albertina Cândido de Souza, perante o magistrado, alegou ter se dirigido à casa de sua prima, e, durante o percurso, tomou conhecimento de que Nilson estava sendo preso, inclusive apanhava dos policiais, motivo pelo qual decidiu retornar à sua residência, com o propósito de averiguar os acontecimentos.


Ao chegar na casa, visualizou o veículo VW/Logus parado, bem como a caminhonete preta e outras viaturas policiais, e, logo que se aproximou, viu seu filho caído, sendo espancado pelos réus Anderson e Cleiton, salientando que Nilson não esboçava reação, algemado, apenas apanhava.


Afirmou que o irmão da vítima, Davi, também estava nas dependências da casa, e foi agredido, com um soco ou tapa na cabeça, pelo réu Cleiton. Procurando saber o que acontecia, "o réu Cleiton respondeu, de forma marota, mandando a declarante ficar quieta senão também seria presa".


Adicionou que, em cima da mesa da cozinha, havia uma faca pequena de serra, suja de margarina, e na pia havia uma faca de mesa, sendo que os policiais levaram-nas para a delegacia. "Seu filho Davi disse que tinha cortado o pão e deixado a faca suja de margarina sobre a mesa; não é verdade que seus filhos apanharam as facas e investiram contra os policiais, pois quando Davi viu o acontecido, Nilson já estava sendo espancado pelos policiais".


Depois de ser agredida, a vítima foi colocada na viatura, e os milicianos deixaram o local.


Em seguida, foi caminhando ao pelotão de polícia militar, para ver o que aconteceria com seu filho, e, ato contínuo, foi até a delegacia, informando-se que o veículo policial chegara há pouco tempo.


Asseverou que "seu filho estava coberto de sangue nos olhos e bastante machucado; perguntou para seu filho sobre o acontecido, e ele falou que foi levado pelos policiais até as imediações da COOCAM, e lá foi novamente agredido pelos policiais; [...] seu filho confirmou que levou golpes com cacetete, além de chutes e coices; também disse que foi arrastado no chão e também recebeu jato de spray de pimenta" (fls. 171/172).


Davi Basilio de Souza, irmão da vítima, testemunha presencial da ação dos réus, alegou que, no dia dos fatos, levantou-se por volta das 8:00h e foi tomar café.


Enquanto consumia o desjejum, ouviu som de sirene, pelo que se dirigiu à porta da casa, oportunidade em que viu seu irmão Nilson conduzindo o veículo VW/Logus, fugindo de uma viatura preta da polícia.


Retornou ao interior da residência e continuou tomando café, e, em seguida, Nilson parou o automóvel e se refugiou nas dependências da casa. Nesse momento, questionou a vítima acerca dos acontecimentos, respondendo ela, ao sentar-se no sofá, que se entregaria aos agentes policiais.


Ato contínuo, os réus adentraram no local com as armas em punho, e Anderson foi até o ofendido e desferiu três socos no abdômen, após algemando-o e arrastando-o à porção externa do imóvel.


Em dado momento, juntamente com seu irmão Ademir, passaram a pedir aos policiais que parassem de bater em Nilson, frisando que em nenhum momento investiram contra os réus.


O réu Anderson, em resposta, sacou uma pistola pequena que tinha na cintura, apontando-a para o seu rosto, e mandou ambos se afastarem, caso contrário atiraria.


Esclareceu que, em cima da mesa, havia uma faca para pão, suja de margarina, utilizada durante a refeição matinal, e que, passados alguns instantes, o miliciano Rodrigo Pedroso também entrou na residência, de arma em punho, mandando-lhe erguer as mãos.


Na seqüência, o policial Rodrigo apanhou a faca que estava sobre a mesa, dizendo que a apreenderia, para mostrar que foi ameaçado, e, posteriormente, arrastaram Nilson para fora da residência e o colocaram na carroceria da viatura.


Assinalou, ainda, que "viu um dos policiais jogar spray de pimenta em Nilson, quando ele estava no interior da viatura; o réu Cleiton estava bravo no dia do fato; ninguém xingou os policiais; não é verdade que tenha avançado nos policiais com a faca; os policiais inventaram a história da faca para justificar as agressões em Nilson".


Depois que o ofendido foi solto, contou-lhe que os policiais militares o levaram às proximidades de uma bica, e lá lhe agrediram com chutes e golpes de cassetete, bem como jogaram-no ao chão e o pisotearam.


Narrou, também, que os milicianos dispararam arma de fogo enquanto o perseguiam, e que a viatura colidia contra a traseira do VW/Logus, no intuito de fazê-lo parar (fls. 190/191).


No mesmo sentido, o relato de José Ademir de Souza, que alegou ter visto Nilson, na condução do veículo VW/Logus, fugindo de uma caminhonete GM/S10, de cor preta, da polícia.


Nilson parou o carro em frente à casa, correndo para o interior das dependências, e, então, a viatura estacionou, e dela desembarcaram os réus e o policial Marcelo, que, por seu turno, invadiram a residência.


Ao ver os milicianos entrarem na casa, resolveu segui-los, presenciando o momento em que os réus se dirigiram até Nilson e o agrediram. Esclareceu que o ofendido não ofereceu resistência, inclusive "se entregou 'na boa'".


Falou para os apelantes que eles tinham o poder de prender Nilson, mas não de golpeá-lo, ao que Anderson retrucou, dizendo que ele era a lei, e, na seqüência, apontou-lhe uma pistola, determinando que se afastasse.


Enfatizou que nem ele nem Davi investiram contra os policiais, e que um dos agentes públicos apreendeu uma faca de cozinha, que repousava em cima da mesa, contendo vestígios de margarina, pois utilizada por seu irmão no desjejum.


Passados alguns instantes, Nilson foi algemado e arrastado para fora de casa, apanhando dos réus durante o percurso. Na oportunidade em que foi lançado no compartimento traseiro da viatura, o ofendido recebeu uma coronhada na região genital.


Tomou conhecimento de que, durante a perseguição, a caminhonete da polícia militar colidia contra a traseira do VW/Logus, arremessando-o em um veículo VW/Fusca estacionado, e que os milicianos dispararam projéteis de arma de fogo.


Em ocasião posterior, Nilson lhe confidenciou que os policiais levaram-no até "as bandas da bica", onde foi espancado, sendo que constatou, na delegacia, que ele estava "com o rosto lixado".


Sublinhou, por fim, que "Nilson em nenhum momento ofereceu resistência, negou-se a ser algemado ou a entrar na viatura", e que "Nilson apanhou quando estava no sofá e algemado" (fls. 192/193).


O policial militar Rodrigo Stadlober Pedroso, em juízo, confirmou que nenhum dos irmãos da vítima investiu contra as guarnições que atendiam as diligências, muito embora o mais novo, na oportunidade da incursão na residência, estivesse segurando uma faca, que, eventualmente, largou no chão, sendo esta arma branca uma das apresentadas na delegacia de polícia, não sabendo, contudo, precisar suas particularidades (fls. 194/195).


A socorrer a versão apresentada pela vítima, os expertos, no exame de corpo de delito, observaram a existência de "hematomas em região periorbitária à D + região frontal desse lado; vários hematomas em região dorsal, lineares; hematomas em região saco escrotal; RX com fissura no 10º arco costal à esquerda", consignando que o instrumento gerador da ofensa era contuso.


Com efeito, as agressões físicas são compatíveis com aquelas narradas pelo ofendido, merecendo especial atenção os hematomas lineares na região dorsal, compatíveis com golpes de cassetete, bem como o hematoma na região saco escrotal, que, de acordo com José Ademir de Souza, foi decorrente de uma coronhada visando aos genitais de Nilson.


Importante, também, trazer algumas considerações tecidas no relatório do IPM n. 067/IPM/PMSC/2007 (fls. 79/88):


Tem-se, aqui, a dúvida quanto à extensão das lesões causadas na vítima, no momento em que ela colidiu o seu veículo (VW/Logus), com o veículo VW/Fusca que estava estacionado próximo ao Bar do Neco, ademais o fato de o agente (Nilson dos Santos Souza) ter resistido à prisão (conforme auto de resistência a prisão em fls. 41), com uma arma branca (conforme termo de exibição e apreensão em fls. 33), pode também ter sido causador de algumas lesões na vítima, advindas do confronto com os PPMM. Entretanto, se realmente ocorreu resistência à prisão, por parte da vítima, como relatam os PPMM: Sd. PM mat. 926238-5 ANDERSON Murilo Petrikoski e Sd. PM mat. 926269-5 CLEITON José Vieceli, seria muito provável que estes dois policiais também apresentassem algum sinal de agressão resultante da resistência a prisão, porém, nenhum dos policiais envolvidos sequer fez exame de corpo de delito, ou mesmo registrou em boletim de ocorrência alguma lesão sofrida durante a prisão, sendo apenas constatado no auto de resistência à prisão, em fls. 41, que a vítima resistiu com uma faca, socos e chutes, porém, mais uma vez, resta a dúvida se realmente houve a resistência a prisão e se houve assim a necessidade do uso da força por parte dos PPMM, que resultaram na lesão corporal somente na pessoa de Nilson.


[...]


Ainda, face ao que consta dos autos, concluo, salvo melhor juízo, que há indícios de crime por parte dos PPMM Sd. PM mat. 926238-5 ANDERSON Murilo Petrikoski e Sd. PM mat. 926269-5 CLEITON José Vieceli contra a vítima Nilson dos Santos Souza, concernente à agressão física imposta ao ofendido, na residência de sua mãe.


Não destoou a conclusão no processo administrativo disciplinar n. 03/PAD/10ªGEPM/2008, proposto em desfavor do réu Anderson Murilo Petrikoski (fls. 159/166):


Houve lesões praticadas durante a detenção de Nilson dos Santos Souza, contudo, somente as lesões "vários hematomas em região dorsal, lineares e hematomas em região saco escrotal" caracterizaram claramente algum excesso, senão vejamos:


1. "hematomas em região periorbitária à D+região frontal do mesmo lado".


Impossível afirmar que tenham sido decorrentes de agressões havidas durante a prisão, uma vez que houve um acidente automobilístico anterior ao fato, o qual poderia ter causada a referida lesão.


2. "vários hematomas em região dorsal, lineares; hematomas em região saco escrotal; Rx com fissura 10º arco costal à esquerda".


Nestas lesões é possível afirmar que houve excesso, pois o exame médico descreve a existências de vários hematomas em região dorsal (costas) lineares, ou seja, vários hematomas estreitos e compridos, além de fissura no 10º arco costal, lesões que não podem ter ocorrido no acidente havido antes do fato, devido à quantidade, espécie e locais das lesões relatadas.


Considerando a ausência de auto de exame de corpo de delito complementar e as respostas aos quesitos do presente auto de exame, conclui-se que as lesões são de natureza leve.


Mas, indubitavelmente, as lesões que caracterizam excessos e a existência de agressão por parte dos PPMM são as descrições de hematomas na região saco escrotal, as quais não podem ser resultado do acidente ou do momento da prisão de Nilson, bem como elas não estão descritas no auto de resistência à prisão, e os depoimentos extraídos do IPM 067/2007, fls. 167, onde as testemunhas Gilberto Oliveira e Albertina Candido de Souza afirmam ter presenciado agressões havidas após a detenção de Nilson.


A defesa solicitou a oitiva da policial civil Kelly, a qual prestou as declarações em fls. 335, a qual afirma que perguntou para Nilson várias vezes se estava bem, sendo respondido que sim, e que em momento algum Nilson reclamou ter sido agredido, que ele estava lúcido e tranqüilo. Declara que acredita que Nilson foi encaminhado para exame de corpo de delito no dia seguinte, pelo policial de plantão, uma vez que ele ficou detido provisoriamente na cela da delegacia. A defesa alega que é possível que Nilson tenha sido agredido na cela por outros detentos, e ainda que a data do auto de exame de corpo de delito é do dia 25/10/2006, ou seja, o dia seguinte à prisão, mas que nem sempre é a data de realização do exame. Porém, entendo que tais alegações são insuficientes para anular ou desqualificar o laudo.A defesa solicitou a oitiva da policial civil Kelly, a qual prestou as declarações em fls. 335, a qual afirma que perguntou para Nilson várias vezes se estava bem, sendo respondido que sim, e que em momento algum Nilson reclamou ter sido agredido, que ele estava lúcido e tranqüilo. Declara que acredita que Nilson foi encaminhado para exame de corpo de delito no dia seguinte, pelo policial de plantão, uma vez que ele ficou detido provisoriamente na cela da delegacia. A defesa alega que é possível que Nilson tenha sido agredido na cela por outros detentos, e ainda que a data do auto de exame de corpo de delito é do dia 25/10/2006, ou seja, o dia seguinte à prisão, mas que nem sempre é a data de realização do exame. Porém, entendo que tais alegações são insuficientes para anular ou desqualificar o laudo.


[...]


3. Quanto às agressões cometidas contra o Sr. Nilson dos Santos Souza, no dia 24 de outubro de 2006, está caracterizado o excesso do uso da força, pelas lesões descritas no auto de exame de corpo de delito e pelo depoimento das testemunhas, lesões que não podem ser decorrentes do acidente de trânsito.


Portanto, dos elementos de convicção patenteados nos autos, infere-se que o ofendido conduzia irregularmente o veículo VW/Logus, atravessando via preferencial e quase colidindo com a viatura tripulada pelos réus, tendo a guarnição ciência de que a vítima não possuía carteira de habilitação.


A partir daí, os acusados, contrariados com a desobediência à ordem de parada que emitiram, passaram a cometer abusos na abordagem policial, chocando propositalmente o réu Anderson, diversas vezes, a viatura contra a traseira do automóvel conduzido pela vítima, no afã de forçadamente fazê-lo parar, enquanto o réu Cleiton, munido de uma espingarda calibre .12, com similar interesse, disparava projéteis contra o VW/Logus, frise-se, em região com intenso movimento de pessoas.


A reação dos milicianos foi exacerbada a ponto de lançar o automóvel de Nilson contra o veículo VW/Fusca de Anildo Geovani dos Santos, que estava estacionado na via, acidente que, nas palavras da referida testemunha, não ocorreria, caso houvesse comedimento por parte dos policiais.


Mesmo assim, não logrando êxito em deter o ofendido, os réus continuaram a perseguí-lo, até que chegaram na residência de Albertina Candido de Souza (mãe da vítima), onde ele abandonou o VW/Logus e se evadiu em direção ao interior das dependências, seguido pela guarnição militar.


Nesse ponto, é de bom alvitre confrontar as narrativas dos réus para os fatos que se seguiram, reduzidas a termo nos autos 014.06.005159-4, de forma a melhor visualizar os conflitos entranhados em ambas as versões:


Quando entraram na casa, o réu portava uma faca nas mãos; o réu dizia que não era para se aproximar porque senão seriam furados; diante da resistência do réu, entraram em luta corporal para imobilizá-lo; acrescenta que o réu golpeou com a faca, tentando atingir o declarante e seu colega, mas não conseguiu; durante a luta corporal, o réu chamou o declarante e seu colega de "pés de porco" e proferiu outros impropérios; antes do réu ser algemado, seus dois irmãos chegaram ao local, e investiram contra o declarante e o outro policial; houve luta corporal entre todos, porque os irmãos do réu queriam soltá-lo; somente com a chegada de reforço, é que os irmãos do réu fugiram do local; recorda-se que foram apreendidas duas facas, uma do réu e outra do seu irmão; cessada a luta, o réu foi algemado e levado até a viatura; esclarece que o réu teve que ser novamente imobilizado, depois que seus irmãos fugiram; não utilizaram cassetete na imobilização do réu; [...] o depoente sacou da pistola no interior da residência, para tentar dominar o réu (Anderson Murilo Petrikoski ¿ fls. 63/64).


Tentaram entrar na casa para prender o réu; o réu apareceu na porta da casa, portando uma faca, chamando o depoente de "pé de porco" e dizendo que iria furá-lo; em razão do réu portar a faca, o depoente usou da força física para dominá-lo; dada voz de prisão, o réu resistiu ao ato; não chegou a sacar sua pistola; o réu não foi agredido, mas apenas imobilizado; antes do réu ser algemado, apareceram no local dois irmãos dele, também portando facas; os dois rapazes investiram contra o depoente e seu colega Soldado Anderson; neste momento, o soldado Anderson sacou da arma e apontou para os resistentes; somente depois da chegada de reforço, é que a situação foi controlada; os irmãos do réu fugiram; mas ele foi colocado na viatura e conduzido até a DP; [...] o réu não foi agredido com cassetete e nem com chutes; [...] a faca que o réu portava foi apreendida; [...] na verdade não se recorda se a faca apreendida era usado pelo réu ou por seus irmãos (Cleiton José Vieceli ¿ fls. 65/66).


Os relatos divergem em pontos relevantes. Por exemplo, na versão do acusado Anderson, o ofendido Nilson teria adentrado na residência, e, só então, armou-se de uma faca e investiu contra a guarnição, ao passo que, na narrativa de Cleiton, a vítima teria se posicionado com a arma branca na porta de acesso, resistindo à prisão.


Além disso, de acordo com o relato do denunciado Cleiton Vieceli, deveriam existir três facas no cenário fático, uma empunhada por Nilson, e outras duas ostentadas pelos irmãos da vítima, em contraponto ao dito por Anderson Petrikoski, no sentido de que foram empregadas duas facas pelos agressores, e também com o disposto no termo de exibição e apreensão (fl. 16).


Ainda na mesma solenidade, Cleiton voltou a incorrer em contradição, quando não soube precisar quem efetivamente portava armas brancas, isso logo após detalhar que todos os supostos agressores detinham facas.


Vale relembrar, também, as conclusões do relatório do IPM n. 067/IPM/PMSC/2007, que entendeu não ser plausível que os policiais militares não apresentassem quaisquer lesões após refrega com três pessoas, especialmente quando pelo menos dois dos adversários utilizavam artefatos cortantes.


Não menos importante é o fato de que a vítima apresentou vários hematomas, inclusive com fissura do arco costal, ofensas absolutamente destoantes do proceder que os acusados alegaram ter adotado, qual seja, emprego de força necessária para imobilizar.


Esses elementos conduzem à segura conclusão de que os réus falsearam a verdade, razão pela qual suas palavras não merecem credibilidade.


O que exsurge do contexto das provas é que, na residência da genitora do ofendido, os acusados dolosamente abusaram de sua autoridade, agredindo a vítima, saliente-se, algemada, e submetendo-a à prisão, sem que ela esboçasse resistência, e que apreenderam duas facas, utilizadas por familiares do ofendido no desjejum, com o duplo propósito de legitimar a criminosa atuação policial, construindo uma inexistente situação de legítima defesa, e de ensejar a persecução criminal por delitos que sabiam não ter ele perpetrado.O que exsurge do contexto das provas é que, na residência da genitora do ofendido, os acusados dolosamente abusaram de sua autoridade, agredindo a vítima, saliente-se, algemada, e submetendo-a à prisão, sem que ela esboçasse resistência, e que apreenderam duas facas, utilizadas por familiares do ofendido no desjejum, com o duplo propósito de legitimar a criminosa atuação policial, construindo uma inexistente situação de legítima defesa, e de ensejar a persecução criminal por delitos que sabiam não ter ele perpetrado.


Não satisfeitos, novamente praticaram agressões contra o ofendido, fato ocorrido durante o percurso até a delegacia de polícia, e evidenciado pelo atraso da viatura em chegar com o preso à referida repartição.


As conclusões do douto sentenciante foram precisas (fls. 281/282):


Não bastassem as agressões que a vítima sofreu ao ser algemada, emergem dos autos evidências contundentes de que voltou a ser agredida quando estava contida na viatura, a caminho da Delegacia de Polícia Civil.


Os elementos circunstanciais demonstraram que a viatura demorou tempo além do normal no trajeto entre a casa onde ocorreu a prisão e o Departamento Policial.


A respeito, afirmou a mãe da vítima, Albertina Cândido de Souza, que "[...] logo em seguida foi caminhando até o Pelotão para ver o que aconteceria com seu filho; que depois foi até a Delegacia; que na DP soube que a viatura chegou pouco antes da declarante; [...] que acredita que demorou entre 20 a 25 minutos para chegar na DP; [...] que seu filho Nilson disse que tinha recém chegado no local; [...]"(fl. 172).


O policial Rodrigo Pedroso, por sua vez, afirmou em Juízo que "[...] acompanhou a viatura S-10 em parte do trajeto, principalmente quando os réus foram procurar a cobertura do réu Cleiton [...]", entretanto, "[...] chegou na DP antes da S-10 [...]", mas "[...] não sabe a razão pela qual a viatura S-10 chegou depois na DP; [...]"(fl. 194).


As testemunhas Daniele dos Passos e Cleusa Maria dos Passos (fls. 248-249) também confirmaram que os réus estiveram no local próximo aos silos da Ceval para buscar o boné, inclusive entregaram o objeto a eles.


Com isso perfeitamente comprovado que os acusados, no deslocamento até a Delegacia de Polícia Civil, pararam a viatura e tornaram a agredir fisicamente a vítima, pois não havia razão plausível para a demora.


Tal situação outorga credibilidade à alegação da vítima de que foi espancada antes de ser conduzida à Delegacia de Polícia Civil, sobretudo se observados os depoimentos das testemunhas de que ela não apresentava ferimento quando foi posta na viatura e depois estava machucada.


Foi o que informou Davi Basilio de Souza:


"[...] que sua mãe contou que a viatura demorou para chegar na DP; que Nilson não apresentava ferimento quando foi colocado na viatura; que sua mãe disse que o réu apareceu na DP todo machucado; que depois que Nilson foi solto ele lhe contou que os policiais lhe levaram nas proximidades da bica que fica no trevo das Máquinas Bruno e lhe agrediram; que Nilson disse que os policiais lhe jogaram no chão e lhe pisaram em cima, além de chutes e golpes de cassetete; [...]"(fl. 191).


Do mesmo modo disseram a vítima (fl. 145) e José Ademir de Souza (fls. 192-193).


Portanto, o conjunto probatório sólido, amparado na versão da vítima e nos depoimentos de testemunhas presenciais, quando somado às circunstâncias de que os réus são contumazes em abusar da autoridade ¿? inclusive já condenados por este Juízo em situação semelhante (ações penais ns. 014.08.000363-3, 014.07.004086-2), conduzem à invariável conclusão sobre a ocorrência dos fatos narrados na denúncia.


Presentes as elementares caracterizadoras do crime previsto no art. 3º, "i", da Lei n. 4.898/65, uma vez que os acusados, dolosamente, abusaram de sua autoridade, atentando indevidamente contra a integridade física do ofendido, acertada a condenação.


Esta Corte já se pronunciou:


APELAÇÃO CRIMINAL ¿ ABUSO DE AUTORIDADE - DELEGADO DE POLÍCIA QUE SE ENCONTRAVA EM EVENTO SOCIAL AO PRATICAR O ATO ABUSIVO ¿ IRRELEVÂNCIA PARA CARACTERIZAÇÃO DO CRIME - INVOCAÇÃO DA AUTORIDADE SUFICIENTE PARA CONFIGURAR O DELITO - CARACTERIZADA A AGRESSÃO COMETIDA NO INTERIOR DA DELEGACIA - RECURSO DESPROVIDO


Comete o delito de abuso de autoridade o agente que mesmo não estando no exercício da função, invoca a autoridade do cargo.


O Exame de Corpo de Delito em consonância com demais provas existentes nos autos é suficiente para caracterizar o abuso de autoridade na modalidade de atentado à incolumidade física do indivíduo, mesmo porque em crimes dessa natureza as agressões geralmente são praticadas no interior das Delegacias de Polícia, longe da vista de testemunhas (Ap. Crim. n. 1999.014049-0, de Mondaí, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. 5.12.2000).


Tocante ao delito de denunciação caluniosa, não resta dúvida de que, mesmo sabendo que o ofendido não cometeu crimes de omissão de socorro (art. 135, CP), ameaça (art. 147, CP), dano (art. 163, CP), uso de documento falso (art. 304, CP), resistência (art. 329, CP) e desacato (art. 331, CP), os acusados registraram boletim de ocorrência (fl. 17) e precipitaram a confecção de auto de prisão em flagrante (fls. 7/13) em desfavor de Nilson dos Santos Souza, imputando-lhe a prática das citadas condutas delituosas, o que, inclusive, culminou com a instauração da ação penal n. 014.06.005159-4, na qual a vítima foi absolvida (fls. 49/99).


Isso, como se observa, amolda-se perfeitamente ao preceito primário do ilícito em comento:


Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente:


Pena ¿ reclusão, de dois a oito anos, e multa.


§ 1º ¿ A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.


§ 2º ¿ A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.


Quanto à configuração do crime, traz-se à baila a valiosa lição de Julio Fabbrini Mirabete:


O crime configura-se quando o sujeito ativo der causa à investigação policial, processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, de qualquer forma ou por qualquer meio (oralmente, por escrito, telefone etc.). Muito embora se tenha decidido que é necessário, para a concretização do delito, que o sujeito ativo tenha agido por sua própria iniciativa, e não em resposta de terceiro, não há essa exigência no tipo penal.


[...] É indispensável para a configuração do crime que se dê causa à investigação policial, processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa. O princípio da reserva legal impedia a extensão analógica da norma para incriminar o agente que desse causa à instauração de sindicâncias administrativas ou inquéritos administrativos, ainda que formais etc. Entretanto, com a nova redação que foi dada ao caput do art. 339 do CP, passou a ser fato típico dar causa a instauração de investigação administrativa (sindicância, processo administrativo etc.), de inquérito civil (art. 8º, § 1º, da Lei n. 7.347, de 24-7-1985) ou de ação de improbidade administrativa (Lei n. 8.429, de 2-6-1992).


A falsa imputação também deve ser determinada, ou seja, que tenha a característica da prática de um ilícito penal. Se o fato imputado não é penalmente típico (meros ilícitos civis, infrações administrativas, ato de improbidade), exclui-se ab initio a possibilidade de instauração de qualquer procedimento pelo crime previsto no art. 339 do Código Penal (Código penal interpretado, 5ª ed., São Paulo: Atlas, 2005, p. 2523/2524).


Dessarte, não havia, mesmo, outra medida senão o decreto condenatório fulcrado no art. 339 do Código Penal.

DECISÃO


Diante do exposto, decidiu a Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.


Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Salete Silva Sommariva e Tulio José Moura Pinheiro, lavrando parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Paulo Roberto Speck.


Florianópolis, 2 de março de 2010.


Irineu João da Silva


PRESIDENTE E RELATOR

xxxxxxx

Aluno: José Guilherme Surdi

Comentário
No acórdão dos Desembargadores do Tribunal de Justiça restou desprovida a apelação dos policiais militares que sustentavam em seu apelo que não havia elementos suficientes para imputar-lhes uma condenação por abuso de autoridade. Pode-se tecer nesse sentindo um breve comentário ilustrado pelos fatos relatados no julgado e que tão bem nos servem de exemplo frente a multiplicidade e irrefreável produção de novos eventos cujo destino são as vias judiciais. Os policiais além de extrapolarem sua competência legal e abusarem, de forma explícita e flagrante, os limites legais impostos ao exercício de sua função, também produziram boletim de ocorrência imputando ao suposto réu, série de crimes que ele não cometeu. Nesse sentindo a reflexão que pode se apresentar é a de que os órgãos e os agentes repressivos a todo momento exercem suas funções de forma fragilizada, o caso em tela ilustra que, se não houvessem testemunhas presentes durante a perseguição policial e a posterior abordagem e atos de violência, com certeza o indivíduo que sofreu os abusos haveria de ter sido enclausurado, e estaria quem sabe cumprindo pena até hoje em uma penitenciária do sistema carcerário nacional que a meu ver, soma e imbrica a pena restritiva de liberdade a imposição de condições sub-humanas de existência aos condenados. Existe uma espécie de recorrência incômoda e uma certa solubilização nos meios sociais do abuso de autoridade enquanto prática quase certa das autoridades competentes que utilizam-na se não freqüentemente, então de forma subsidiária em suas atividades, operações e procedimentos no trato interpessoal/social. Apesar de um Código Penal que tipifica e estabelece a conduta que é criminalizada assistimos de forma quotidiana a perpetuação dos abusos e a intensificação da violência dos agentes dos órgãos repressivos sobre os cidadãos sob o espectro e a justificativa, muitas vezes, de operações policiais e táticas repressivas que não passam de meros instrumentos de classe, de manutenção e reprodução das estruturas vigentes e para a satisfação de posturas ideológicas de setores da mídia e da sociedade civil através de seus representantes eleitos. Por fim, a presença dos elementos que caracterizariam o crime de abuso de autoridade estavam presentes, e o Tribunal de Justiça, através do julgado aplicou a lei de forma pertinente e vinculada ao diploma penal legal.

mais 1

Guilherme Ricken - 5a. fase

AI 748600 AgR / MG - MINAS GERAIS
AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator(a): Min. EROS GRAU
Julgamento: 23/06/2009 Órgão Julgador: Segunda Turma

Publicação
DJe-148 DIVULG 06-08-2009 PUBLIC 07-08-2009
EMENT VOL-02368-24 PP-05014
Parte(s)
AGTE.(S): CARLOS ANTÔNIO ALBAREDA BARCELOS
AGTE.(S): CARLOS HENRIQUE POLICARPO DA SILVA
ADV.(A/S): VINÍCIUS IBRAHIM SILVA E OUTRO(A/S)
AGDO.(A/S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Ementa

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI N. 9.455/97. CRIME DE TORTURA. CONDENAÇÃO QUE IMPLICA NA PERDA DO CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INEXISTÊNCIA. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. O acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido que é permitida a decretação de perda do cargo ou função pública, no caso de condenação por crime de tortura [art. 1º, § 5º, da Lei n. 9.455/97]. 2. Não se confunde decisão contrária ao interesse da parte com negativa de prestação jurisdicional. 3. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.
Decisão
A Turma, à unanimidade, negou provimento ao agravo
regimental, nos termos do voto do Relator. Ausente,
justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Joaquim
Barbosa. 2ª Turma, 23.06.2009.
DISPONÍVEL EM:

Comentário:
Mais importante do que o assunto principal da decisão aqui trabalhada, referente à perda do cargo público por policiais que cometeram crime de tortura, é a fundamentação do magistrado para justificar a caracterização do crime. Diz ele que, em crime praticado por policiais, dificilmente o conjunto probatório será farto e inequívoco, determinando a necessidade de uma análise mais apurada por parte do julgador. Assim, tendo em face o "perfeito estado de saúde" anterior da vítima e o retorno à delegacia "sujo e machucado", a tortura estaria plenamente configurada.

No entando, cumpre dizer as palavras do juiz não parecem compatíveis com os pressupostos do Estado Democrático de Direito. Um sistema jurídico que vise à proteção dos direitos humanos não pode fazer da intervenção penal algo tão vago, a ser utilizada em hipóteses não abarcadas pela letra da lei. A tortura é caracterizada pelo sofrimento - físico ou moral - intenso, sem o que não é preenchido o suporte fático da norma legal. É possível que, no caso trabalhado, os supostos autores do crime talvez tivessem cometido crimes de menor potencial ofensivo, cujas penas, pelo princípio da proporcionalidade, seriam menores. Assim, não ignorando a reprovabilidade devida ao crime de tortura - especialmente se cometido por agente público -, faz-se imperioso analisar minuciosamente a situação apresentada, para não resultar em eventuais injustiças.

mais 1

Acadêmico Ricardo Maurino Melo

5ª Fase Período Matutino

06 de abril de 2010.


JURISPRUDÊNCIA III: Crimes de Tortura e Abuso de Autoridade.

Apelação Criminal n. 2009.020506-1, de Lages

Relator: Moacyr de Moraes Lima Filho

Órgão Julgador: Terceira Câmara Criminal

Data: 14/08/2009

Ementa:

APELAÇÃO CRIMINAL - DELITO DE TORTURA - PROVA INSUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO - INTENÇÃO DOS RÉUS DE CAUSAR CASTIGO PESSOAL ÀS VÍTIMAS NÃO CARACTERIZADA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NA FORMA RETROATIVA DECLARADA DE OFÍCIO - RECURSO NÃO PROVIDO.

ACUSAÇÃO REMANESCENTE DE LESÕES CORPORAIS PRATICADAS POR POLICIAIS MILITARES EM SERVIÇO - ART. 209 DO CPM - COMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL PARA O PROCESSO E JULGAMENTO - PERSECUÇÃO PENAL QUE DEPENDE DE INICIATIVA EXCLUSIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR - REMESSA DOS AUTOS APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO.

"No dia 19 de maio de 2003, por volta da 1h, na Rua Carlos Chagas, Bairro Gethal, neste município e comarca, as vítimas Gersi Lima, Emerson dos Santos e Jair Costa da Silva, bem como Simone Lima, foram abordados pelos denunciados Laureci de Oliveira e Paulo César Luiz, policiais militares à paisana, que saíram de um Veículo Kadett de cor branca (viatura descaracterizada n° 1457).

Consta que as ameaças de morte e agressões efetuadas pelos denunciados tinham a finalidade de obtenção de informações por parte das vítimas sobre Derli Lima (irmão de Gersi Lima) e sobre uma arma supostamente utilizada pelo mesmo momentos antes no Clube 1° de Maio, localizado nesta cidade.”

A acusação busca subsumir a conduta dos policiais militares ao fato de constrangerem alguém com o emprego de violência e grave ameaça, causando-lhes sofrimento físico e mental, com o fim de obtenção de informação de terceira pessoa e como forma de aplicar castigo pessoal, tipo previsto no art. 1º, I, "a", e II, com a majorante do seu § 4º, I, da Lei n. 9.455/97, que preceitua:

"Art. 1º Constitui crime de tortura:

"I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

"a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; [...]

"II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

"Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos. [...]

"§ 4º Aumenta-se a pena de 1/6 (um sexto) até a 1/3 (um terço):

"I - se o crime é cometido por agente público;"

Consoante o disposto nos incisos I e II do art. 1º da Lei n. 9.455/97, para a caracterização do crime de tortura exige-se do agente dolo específico, ou seja, a intenção de proporcionar à vítima "intenso sofrimento físico ou mental". Sem a existência desse dado anímico, a figura da tortura não se completa do ponto de vista típico, embora possa dar origem a fato criminoso de diversa qualificação jurídica (FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 117).

No presente caso, há elementos de provas suficientes que atestam a autoria delitiva, bem como o emprego de violência física perpetrada contra civis suspeitos de participação de infração penal. Contudo, referida prova encartada nos autos revela que a ação policial subsume-se ao delito de abuso de autoridade previsto na Lei n. 4.898/65, decorrente de excesso na execução de medida de força, produtora de ofensa à incolumidade física do indivíduo (art. 3º, "i"), e não crime de tortura praticada em plena via pública por policiais militares.

Com efeito, a pena máxima em abstrato cominada ao ilícito em tela é de 6 (seis) meses de detenção; por conseguinte, o prazo prescricional a ser computado é de 2 (dois) anos, nos termos do art. 109, VI, do Código Penal.

Por conseguinte, decreta-se a extinção da punibilidade dos réus Laureci de Oliveira e Marcelo Hoffmnan de Oliveira, em face da prescrição da pretensão punitiva do Estado, na forma retroativa, com fundamento no art. 107, IV, 109, VI, e 110, § 1º, todos do Código Penal, reconhecimento este que se efetua de ofício, consoante o disposto no art. 61 do Código de Processo Penal, com efeitos após o trânsito em julgado para a acusação.

Apelação Criminal n. 2007.045890-3, de Chapecó

Relator: Torres Marques

Órgão Julgador: Terceira Câmara Criminal

Data: 09/10/2008

Ementa:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TORTURA (ART. 1º, II, DA LEI N. 9.455/97) PRATICADO POR POLICIAIS MILITARES CONTRA CIVIL. (...)

PLEITO DESCLASSIFICATÓRIO PARA O DELITO DE LESÕES CORPORAIS OU ABUSO DE AUTORIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O OFENDIDO FOI SUBMETIDO A INTENSO SOFRIMENTO FÍSICO OU MENTAL. ELEMENTO SUBJETIVO DO CRIME NÃO CONFIGURADO. CARÊNCIA DE PROVAS SOBRE A INTENÇÃO DOS RÉUS EM IMPINGIR CASTIGO PESSOAL À VÍTIMA. DOLO DE LESIONAR CARACTERIZADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE LESÕES CORPORAIS (ART. 209 DO CPM) OPERADA.

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

DECLARAÇÃO, DE OFÍCIO, DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DOS APELANTES PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO PELA PENA EM ABSTRATO.

"Paralelamente, quando da segunda fuga realizada pelo criminoso retro referido, ou seja, após ter disparado contra a viatura conduzida pelo denunciado e alvejado o soldado Gerson da Silva, a vítima João Nunes acabou por vir a sofrer grave abuso de autoridade, sendo submetida, por parte dos milicianos ora acusados, a grave e desnecessário sofrimento físico, transformando-se em objeto da cólera e do despreparo dos agentes públicos em questão, que assim passaram a lhe aplicar grave castigo físico, aplicado como vingança pelo ato que não cometeu.”

Um dos apelantes sustentou a desclassificação de sua conduta para o crime de lesão corporal leve e o reconhecimento da atenuante descrita no art. 65, III, "c", do Código Penal. O outro argumentou que o crime de tortura não ficou caracterizado no caso em tela, uma vez que não restou demonstrada a intenção de provocar na vítima intenso sofrimento físico ou mental, mas apenas imobilizá-la. Por conseguinte, pugnou pela desclassificação de sua conduta para aquela descrita no tipo penal de abuso de autoridade.

A doutrina pátria distingue as espécies de tortura. Aquelas descritas pelo inciso I, são denominadas "tortura-prova", "tortura para a prática de crime" e "tortura discriminatória", respectivamente conforme suas alíneas; e aquela descrita pelo inciso II é chamada "tortura castigo". No caso em evidência, maior atenção será dada a esta última figura.

O contexto probatório fático amealhado aos autos autoriza a conclusão de que a vítima foi agredida pelos réus com socos, chutes e coronhadas.

Estas ações, obviamente, denotam que a vítima foi submetida a sofrimento físico, o que é suficiente a censurar e reprovar a conduta dos agentes de segurança, ainda mais pelo fato de terem agido contra a pessoa errada, conforme anteriormente alinhado. Todavia, não há nos autos provas hábeis a constatar a intensidade do sofrimento absorvido pela vítima e do mal que suportou diante das agressões.

Assim, desclassifica-se a conduta dos réus para o tipo penal de lesões corporais leves, uma vez que a prova pericial não conduz a outra solução, descrito no art. 209, caput, do Código Penal Militar, que assim dispõe:

"Art. 209. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

"Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano [...]".

Decreta-se, então, a extinção da punibilidade dos acusados em face da prescrição da pretensão punitiva do Estado, na forma retroativa, com fundamento no art. 107, IV, 109, V, e 110, §1º, todos do Código Penal, reconhecimento este que se efetua de ofício, consoante o disposto no art. 61 do Código de Processo Penal.

Apelação Criminal n. 2006.017077-6, de Lages

Relator: Alexandre d’Ivanenko

Órgão Julgador: Terceira Câmara Criminal

Data: 07/08/2008

Ementa:

CRIME DE TORTURA (ART. 1º, INC. I, "A", DA LEI N. 9.455/97). MATERIALIDADE E AUTORIA PLENAMENTE COMPROVADAS. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

REQUERIMENTO PELO AFASTAMENTO DA PENA DE PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA. NECESSIDADE DE PROCEDIMENTO ESPECÍFICO. PENA QUE DEIXOU DE SER ACESSÓRIA EM FACE DE PREVISÃO ESPECÍFICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

“No dia 11 de janeiro de 2002, por volta das 11:00h, neste município, bairro Penha, Avenida Presidente Vargas, nas proximidades do Cemitério de Penha, o denunciado juntamente com outro Policial abordou a vítima Ronaldo Varela dos Santos, indagando-a acerca do local onde estava a espingarda que ele havia comprado de Josué Waiss Carlos, a qual era produto de furto.

Diante do desconhecimento da vítima acerca destes fatos, esta foi levada até a localidade conhecida como Guará, naquele Bairro.

Ato contínuo, o denunciado a fim de obter a referida informação da vítima, retirou-a da viatura policial, obrigando-a a deitar no chão oportunidade em que passou a desferir golpes de cacetete nas costas da mesma, causando-lhe sofrimento físico. (Auto de Exame de Corpo de Delito de fls. 08) e mental (fls. 2/3).”

Nesse contexto, restou claro que a conduta criminosa do apelante consistiu em expor a vítima Ronaldo Varela dos Santos a sofrimento físico a fim de que confessasse o furto de uma espingarda, estando isenta de emenda sua sua condenação por afronta ao art. 1º, inc. I, ¿?a¿? e § 4º, inc. I, da Lei n. 9.455/97, inviabilizando, por conseqüência, a desclassificação para o crime de abuso de autoridade.

Porém, merece guarida o recurso no que tange ao pleito pelo afastamento da pena de perda da função pública decretada na sentença, porque, de acordo com o art. 142, § 3º, incs. VI e VII, da Carta Política, a perda de graduação deixou de ser pena acessória (art. 102, CPM), exigindo a observância de procedimento para a declaração de indignidade para o oficialato.

Entendo, após análise dos presentes casos que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, nos casos de violência infligida por autoridades, atentando contra a dignidade da pessoa humana, na forma de violação à incolumidade física e/ou psíquica, quando o pretenso fundamento de tal violência é um motivo diverso da mera violência “injustificada”, porquanto haveria uma “simbólica razão” em estar violentando tais indivíduos, o entendimento se firma no sentido da descriminalização de um possível crime de Tortura (Lei 9.455/97) e responsabilização pelo crime de Abuso de Autoridade (Lei 4.898/65).

Neste sentido, relevante é o prazo para prestação jurisdicional do Estado, já que geralmente o desfecho dos casos concretos se dá pela impossibilidade de aplicação material da lei, em função de o prazo prescricional ser demasiadamente curto por levar em conta apenas as penas possíveis do crime de abuso de autoridade a serem aplicadas.

Por outro lado, quando este Tribunal não o faz, ou seja, não há desclassificação do crime de tortura para o abuso de autoridade, conforme julgamento do último caso, há um afastamento da pena de perda da função pública decretada na sentença, fundada em preceito constitucional, já que esta não constitui pena acessória.